A minissérie “Anos dourados”, de Gilberto Braga foi exibida pela Rede Globo em 1986, às 22h30. Uma das melhores produções da Globo. Um bom texto do autor Gilberto Braga, com um irresistível apelo nostálgico, aliado a uma escalação de elenco bem feita.
(Felipe Camargo e Malu Mader)
Na direção dos seus 20 capítulos esteve Roberto Talma, sob a supervisão de Daniel Filho, eles deram ao público um espetáculo inesquecível. O tema de abertura era a canção homônima de Tom Jobim.A minissérie trazia para a TV o Rio de Janeiro da segunda metade dos anos 50 – mais precisamente a Tijuca, bairro da classe média carioca de tradição conservadora.
Nesse momento, o Brasil era governado por Juscelino Kubitschek, e o país vivia um clima de otimismo. A política e a cultura traziam ares de progresso e desenvolvimento.Romantismo era a palavra-chave dessa trama, que tinha como protagonistas Lurdinha (Malu Mader) e Marcos (Felipe Camargo), dois jovens que se apaixonaram à primeira vista. Ela era uma normalista, estudante do Instituto de Educação, uma moça tímida, submissa e muito doce. Ele, aluno do tradicional Colégio Militar, um rapaz íntegro e puro.
Os dois se conheceram durante um baile e dançaram ao som das grandes orquestras, rosto no rosto, com a música de Nat King Cole (“When I fala in Love”), mas também dançaram ao som de “Anos dourados” de Tom Jobim. A romântica cena é um marco na história da teledramaturgia.
(Cláudio Correia e Castro e Yara Amaral).Tudo parecia perfeito para os dois jovens, mas a família de Lurdinha proibiu o namoro dela com rapaz por ele ser filho de pais separados. Os pais da moça, Dr. Carneiro (Cláudio Corrêa e Castro) e Dona Celeste (Yara Amaral), tentaram de todas as maneiras afastarem a filha do rapaz.
Lurdinha não tinha diálogo com sua família, que era extremamente convencional, e não conseguia defender o amor que sentia por Marcos. Sua mãe era uma dona-de-casa conservadora, voltada para a educação dos filhos, extremamente preconceituosa e sempre preocupada com as aparências.
Lurdinha não tinha diálogo com sua família, que era extremamente convencional, e não conseguia defender o amor que sentia por Marcos. Sua mãe era uma dona-de-casa conservadora, voltada para a educação dos filhos, extremamente preconceituosa e sempre preocupada com as aparências.
Enquanto, o marido, Dr. Carneiro, era um pediatra renomado, um exemplo de bom pai e marido. Admirador ferrenho de Carlos Lacerda, também era extremamente moralista.Paralelamente à trama de Marcos e Lurdinha, desenvolvia-se a história de amor entre a mãe de Marcos, Glória (Betty Faria), e o major Dorneles (José de Abreu).
O conflito desse casal maduro, em contraponto com os jovens apaixonados, era o adultério. Dorneles era casado com Beatriz (Nívea Maria), com quem teve três filhos: Lauro (Rodolfo Botino), Marina (Bianca Byington) e Solange (Isabela Bicalho).
O casamento estava fracassado, mas Dorneles não conseguia romper com a instituição da família. Glória, por sua vez, era discriminada por ser desquitada. Ela trabalhava como caixa em uma boate elegante de Copacabana, a Glamour, e foi também discriminada por trabalhar, principalmente em uma boate.
Mãe dedicada e amorosa, Glória sempre atendeu às necessidades do filho, seu grande companheiro, de quem cuidou sozinha a vida inteira. Ao conhecer Dorneles, ela se apaixonou, sem saber que ele era casado. Ele também se apaixonou verdadeiramente por ela, mas não sabia como lidar com a situação e escondia que tinha família. Dorneles passou a viver um conflito: como enfrentar a mulher, uma boa esposa, os filhos e a sociedade para viver um grande amor?A trama dava uma reviravolta, e Glória acabou descobrindo que Dorneles era casado. Arrasada, ela decidiu se afastar dele. O ex-marido de Glória era Cláudio (Milton Moraes), a quem ela chamava de Morreu. Músico de uma orquestra, ele era irresponsável e estava sempre com dificuldades financeiras.
(Taumaturgo e Isabela).
Outro jovem casal também teve papel fundamental na narrativa: Urubu (Taumaturgo Ferreira) e Rosemary (Isabela Garcia). Urubu era um animado galanteador, que não se separava de seus óculos de aro preto, iguais aos do ator James Dean, no filme “Juventude transviada”. Rosemary, por sua vez, era amiga de Lurdinha, a mais avançada das meninas de sua turma, sempre com idéias modernas para o seu tempo.
Mesmo com a proibição dos pais, Lurdinha não deixou de se encontrar com Marcos. Ela não revelava a ele que escondia o namoro de sua família. Ele insistia em conhecer os pais da moça, mas ela acabava sempre inventando uma desculpa. Até que, um dia, Marcos apareceu sem avisar na casa de Lurdinha e perguntou a Celeste e Carneiro se eles viam com simpatia o namoro dos dois.
(Isabela Garcia)
Desconcertados ao descobrirem a mentira da filha, eles trataram o rapaz com simpatia, mas inventaram que Lurdinha estava de castigo por conta de notas baixas e não poderia vê-lo. Os pais de Lurdinha decidiram, então, aceitar o namoro da filha com Marcos, acreditando que, concedendo permissão para o romance, ela logo se se desinteressa dele, pois, segundo eles, o "fruto proibido" estava motivando a filha.
Com o tempo, Marcos e Lurdinha passaram a viver o conflito de se sentiram sexualmente atraídos um pelo outro e serem tomados por um grande sentimento de culpa, já que, na época, sexo antes do casamento era tabu.Lurdinha chegou a perguntar para a mãe se era normal sentir desejo pelo namorado, e Dona Celeste, sempre repressora, responde: “Sexo é pecado. A mulher só pratica o sexo depois de casada, para satisfazer o marido”.
Marcos também recorreu ao pai para conversar sobre o assunto, e ele o aconselhou a procurar uma prostituta, mas o rapaz só pensava em Lurdinha.
Junto com Urubu e Gracindo (Jece Valadão), ele foi a um bordel, mas não conseguiu ter relações com nenhuma mulher. Então, decidiu sair com Rosemary, a moça mais transgressora da turma.
Resultado, Lurdinha flagrou os dois aos beijos e, arrasada, rompeu com Marcos. Ela, por sua vez, decidiu sair com Lauro, que sempre a paquerou. Marcos ficou surpreso ao descobrir que Rosemary, na realidade, era virgem e se assustou ao perceber que ela estava apaixonada por ele. Urubu revelou a Lurdinha as razões que levaram seu namorado a procurar Rosemary, e ela ficou feliz em saber os motivos.
No capítulo 15, ela procurou Marcos, disse que o amava e que queria se casar com ele. Os dois, apaixonados, se amaram, em mais uma cena marcante da minissérie.
Depois de muitos conflitos, Marcos e Lurdinha terminaram juntos e felizes. Dr. Carneiro, para o choque de todos, cometeu suicídio, ao descobrirem que ele tinha uma amante, Vitória (Lúcia Alves).
Celeste entrou em uma crise de depressão e não conseguia superar o duro golpe. Por outro lado, Dorneles finalmente se separou de Beatriz e foi morar com Glória. Beatriz decide voltar a estudar e dar um novo rumo em sua vida.
Os diálogos dos personagens procuravam reproduzir a típica dubiedade que marcava a época entre conservadorismo de costumes e discurso desenvolvimentista. Em determinado momento da trama, por exemplo, retrucando uma observação de sua mulher, Dr. Carneiro diz: “Aqui em casa não entra mulher desquitada, getulista e nem ateu”. Em outra cena, o personagem diz que a cidade de Brasília, já em construção, é “um sonho louco de um político irresponsável”. Primorosos, os diálogos da minissérie que reuniam gírias, cacoetes e expressões dos anos de 1950, o que acabava revelando com fina ironia os preconceitos e as convicções dos personagens.
O trabalho das equipes de figurino, cenografia e direção de arte merecem destaque, pela primorosa reconstituição de época, que reproduziu com exatidão o Rio de Janeiro dos anos de 1950.
Para compor esse clima, os personagens circulavam em cadilac e automóveis rabo-de-peixe. A juventude exibia uniformes dos tradicionais colégios públicos cariocas daquele período. Nos bailes de formatura, os pares dançam de rosto colado e a bebida que circula é o cuba libre.
Os rapazes usam topetes com brilhantina, e as moças desfilam seus vestidos rodados feitos de tule. Alguns homens também adotam um visual inspirado no filme "Juventude transviada", de Nicholas Ray, como o personagem Urubu, enquanto muitas mulheres lançam mão do corte de cabelo conhecido na época como “taradinha”, curto, mas com movimento, feito com pega-rapazes na franja.
Para dar vida à sua personagem, a atriz Betty Faria adotou esse corte, inspirada em Gina Lollobrigida, no filme “Trapézio” (1956). O telespectador reconhecia em cena objetos dos anos 1950, como xícaras e louças em geral, licoreira em forma de boneca, canetas-tinteiro, rádios, entre muitos outros objetos e adereços que compunham os cenários.
O diretor Roberto Talma conta que transformou a rua de um condomínio em Jacarepaguá em cidade cenográfica. Ele lembra que, às vezes, era preciso pintar os postes das ruas de preto, pois não havia postes de cimento nos anos 50, só de ferro.
Curiosidades:- O título “Anos Dourados” foi idéia de Daniel Filho. Ele conta que havia um projeto da Casa de Criação Janete Clair para produzir minisséries sobre diferentes épocas da história do Brasil. Criada em 1985, por Dias Gomes, a Casa de Criação Janete Clair tinha o objetivo de elaborar e selecionar roteiros para as produções de teledramaturgia da emissora. A partir dessa idéia, foi decidido que a década de 1950 ficaria com Gilberto Braga. Para a trama sobre os anos de 1960, Gianfrancesco Guarnieri foi o nome sugerido.
No entanto, Guarnieri acabou se envolvendo em outros projetos da emissora, a Casa de Criação Janete Clair fechou e, anos depois, o mesmo autor dos “Anos Dourados”, Gilberto Braga, veio a escrever a minissérie “Anos Rebeldes”, retratando o duro período de repressão do regime militar.Além de realizar pesquisas de época e recorrer à sua própria memória, Gilberto Braga também se reuniu com amigos e conhecidos que viveram “os anos dourados” e aproveitou suas histórias. A cena, por exemplo, em que Marcos pula o muro da escola para encontrar Lurdinha às escondidas, foi escrita a partir desses testemunhos.
A minissérie “Anos Dourados” marcou a estreia na Globo de Felipe Camargo, que recebeu inúmeros elogios pelo seu trabalho como o doce e apaixonado Marcos. O desempenho como Lurdinha também rendeu elogios à atriz Malu Mader.Gilberto Braga foi responsável pela edição da história em DVD.
Não podemos deixar de comentar o excelente trabalho da inesquecível Yara Amaral como a conservadora e moralista mãe da personagem Lourdinha.Todas as informações deste texto e as imagens que o ilustram foram pesquisas em sites da Internet, do Projeto Memória Globo e no arquivo de O Globo.
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