
O Grito - Novela de Jorge Andrade (Rede Globo)
“O Grito”, de Jorge Andrade, foi exibida pela Rede Globo em 1975, às 22h. Na direção dos 125 capítulos estiveram Walter Avancini, Roberto Talma e Gonzaga Blota.
A novela do autor passava-se em uma semana. Começava numa sexta-feira e acabava no outro domingo. Só que nessa semana, aconteciam 120 capítulos.

O horário da 22 horas, por ser mais tarde, conseguia abordar temas mais adultos que jamais seriam permitidos pela censura nas novelas do horario nobre. A audiência dessas novelas tambem era bem menor, mas enquanto as dos horários mais cedo atraiam a classe B para baixo, as das 22 horas atraiam as classes B e A, compensando a quantidade de audiência com a qualidade dessa. Esse publico com maior poder aquisitivo e um nivel de educação mais alto, permitiram novelas mais inteligentes e experimentais, fazendo desse horario mais um sucesso financeiro para a emissora e criando grandes clássicos da história da telenovela. A novela O Grito vinha com essa proposta, de continuar com com o alto nivel de produção e sucesso de critica desse horario.

O autor era Jorge Andrade, autor de sucesso do treato, que escrevia seu segundo trabalho para a televisão, sua primeira novela fora Os Ossos do Barão (1974), um outro grande sucesso desse horario. E apesar do alto nivel da produção e da perfeição do texto, a novela não foi bem aceita pela critica e pelo publico. A novela se centrava na vida de vários moradores de um predio na cidade de São Paulo, que se mobilizavam para expulsar uma moradora cujo filho doente gritava toda a noite. Poluição, falta de privacidade, isolamento, preconceitos, indiferença, eram os temas refletidos nas vidas dos moradores desse predio.

O Grito seguia a beleza e encanto que fora a novela anterior, Gabriela, e o contraste com a angustia e pessimismo de O Grito afugentou o publico. A atriz Gloria Menezes atuava separada do marido, Tarciso Meira, pela primeira vez em muitos anos, e deu um show de interpretação vivendo a sofrida Marta, a mãe do menino cujos gritos incomodavam os moradores do predio. Para viver Marta, Gloria Menezes se apresentou com os cabelos curtos, quase sem maquiagem, longe do glamour associado a atriz até então.

A trama retrata a vida em uma grande metrópole e as neuroses e angústias do homem moderno, a partir dos conflitos entre os habitantes de um edifício de São Paulo. Localizado no centro da cidade, em um terreno que no passado abrigava a mansão de uma família de paulistas quatrocentões, o Edifício Paraíso, de onze andares, foi projetado para ser um exemplo de requinte e sofisticação acessível apenas à elite: dois apartamentos por andar e piscina na cobertura.
Porém, durante sua construção, foi inaugurado o Elevado Costa e Silva, o famigerado “Minhocão”, viaduto que ultrapassava a altura dos dois primeiros andares do prédio.
Porém, durante sua construção, foi inaugurado o Elevado Costa e Silva, o famigerado “Minhocão”, viaduto que ultrapassava a altura dos dois primeiros andares do prédio.

Para atenuar os prejuízos da desvalorização do imóvel, Edgard (Leonardo Villar), o proprietário, determinou que a planta original fosse alterada e os andares inferiores, divididos em apartamentos de quarto-e-sala. Assim, na cobertura, havia um amplo e luxuoso duplex ocupado por Edgard e sua esposa Mafalda (Maria Fernanda); abaixo deles, apartamentos de três quartos do 9º ao 3º andar, e 12 pequenos apartamentos nos dois andares inferiores, muitos alugados, outros vazios.
Como resultado, o edifício se tornou uma espécie de pirâmide social, em que os ricos ocupam a posição superior e outros moradores, com situações financeiras entre modestas e precárias, se distribuem ao longo do prédio.

O relacionamento entre os habitantes de classes sociais estanques no mesmo prédio era limitado. Os moradores do Edifício Paraíso tinham em comum apenas sua cota de dramas pessoais e o total desinteresse em se relacionar com o próximo.

Entre outros habitantes do prédio, estavam o antropólogo Gilberto (Walmor Chagas) e sua mulher, a pintora Lúcia (Isabel Ribeiro); o síndico Otávio (Edson França), um homem preconceituoso e intolerante; a atriz decadente Débora (Teresa Rachel); Carmem (Yara Cortes), uma viúva religiosa e severa; a estudante de comunicação Marina (Françoise Fourton) e seu namorado, Rogério (João Paulo Adour); a prostituta Kátia (Yoná Magalhães), uma das sobreviventes do incêndio que destruiu o edifício Joelma, em 1974.

Ainda morava no prédio o Agenor (Rubens de Falco), um jovem bancário que tenta esconder dos seus pais, Branca (Ida Gomes) e Sebastião (Castro Gonzaga), a sua homossexualidade. No livro “Um internacional ator brasileiro – Rubens de Falco”, da Colação Aplauso, o ator comentou seu personagem: “O meu personagem era um diretor do Banco do Brasil. Passou a ser funcionário, porque diretor do BB não pode ser dúbio (naquela época, pelo menos, não podia), e ele era castrado, tanto pela mãe que o protegia muito, quanto pelo pai que achava que ele não era homem. Durante a semana, era um homem normal, mas, toda sexta-feira, saía pela Av. Ipiranga com a São João, vestido de uma maneira muito estranha, para ‘ver’ as pessoas. Era mais um voyeur do que qualquer outra coisa.

Quando voltava para casa, se trancava no quarto e o quarto era uma jaula de leão e ele ficava andando de um lado para o outro com um leão enjaulado, tamanho era o desespero de não conseguir dar um sentido à sua vida. Acabava sempre no telefone, falando com o CVV; só aí ele se acalmava.”
Tinha também a ex-freira Marta (Glória Menezes), mãe de Paulinho (Marcos Andreas), um menino de 11 anos, deficiente mental.
Tinha também a ex-freira Marta (Glória Menezes), mãe de Paulinho (Marcos Andreas), um menino de 11 anos, deficiente mental.

O garoto se tornou o pivô do conflito que movimentava a trama. Ele emitia gritos angustiados durante a madrugada, tão alto que era ouvido por todos os vizinhos. O grito do garoto obrigava os moradores a deixar de se ocupar apenas com seus problemas pessoais para tomar consciência da dor alheia, o que incomodava muitos deles.
Então, um grupo decidiu se organizar para expulsar a mãe e o filho do prédio. Estabelece-se então uma tensão entre eles e os poucos moradores que se colocaram ao lado de Marta e Paulinho. Marta resistia bravamente à pressão dos vizinhos e a cada reunião do condomínio ganhava mais aliados.
Em certo momento da trama, o interceptador do prédio desapareceu misteriosamente. Como o aparelho permitia que as ligações telefônicas fossem monitoradas, se instalou um clima de paranóia e desconfiança por parte de todos.
Vários moradores acabaram por denunciar pequenos delitos e desvios uns aos outros. Os dramas de cada um forão se tornando cada vez mais visíveis.

Nos capítulos finais da novela, Estela (Lídia Brondi), filha de Edgard e Mafalda, foi seqüestrada, e Paulinho adoeceu gravemente. Esses dois fatos, somados ao roubo do interceptador, contribuíram para que os vizinhos se unissem cada vez mais e passassem a ser mais tolerantes entre si.

Guilherme (Guto Franco) e Estela (Lídia Brondi) em cena da novela “O Grito”, de Jorge Andrade (Globo, 1975). A trama retratava a rotina dos moradores do Edifício Paraíso, que eram incomodados pela obras do Elevado Costa e Silva, o Minhocão, em São Paulo, e pelos gritos de Paulinho (Marcos Andreas Harder), o filho doente de Marta (Glória Menezez).O detetive Sérgio (Ney Latorraca), policial encarregado do seqüestro de Estela, desvendou o crime graças ao auxílio do ladrão do interceptador. Este lhe entregou o aparelho e relatou uma conversa que ouviu entre os seqüestradores e Edgard. Assim, Sérgio resgatava Estela e matava o seqüestrador. O detetive, no entanto, se recusou a revelar para os moradores do prédio o nome do ladrão do interceptador.

No capítulo final da novela, numa reunião entre todos os condôminos, durante a qual vários personagens assumem a autoria do roubo do interceptador, por diferentes razões. Marta diz que roubou o aparelho para levar os vizinhos a pensar que agora alguém ouvia todos os “gritos” deles, tão incômodos quanto os do filho dela.
Gilberto diz que queria ajudar Marta e ter a chance de estudar, como antropólogo, o comportamento dos vizinhos. Otávio diz que queria impedir que o prédio ficasse desvalorizado com a polêmica em torno de Marta e Paulinho e por isso cometeu o roubo, para depois incriminar a vizinha. De todos os presentes na reunião, apenas Sérgio sabe a real identidade do ladrão, mas ele decidiu encerrar o inquérito sem processá-lo argumentando que ele acabou prestando um grande serviço a todos ao ajudar a resgatar a filha de Edgard.

No meio da reunião, Marta foi avisada que Paulinho morrera durante o sono. Todos os moradores se uniram para providenciar o velório e a cremação do menino. Durante a cerimônia, cada um deles relembrou a própria infância e se arrependeu dos seus atos.
Marta decide espalhar as cinzas do filho por todos os bairros em que viveu e foi expulsa durante os anos. Na cena final, ela sobrevoa São Paulo de helicóptero, atirando punhados de cinzas sobre a cidade. Gritos idênticos aos de Paulinho foram ouvidos enquanto a câmera passeava por sobre os prédios.
Na tela, surgiam as palavras: “E a semente vai germinar, brotar, crescer, florescer e dar frutos”.

Marta decide espalhar as cinzas do filho por todos os bairros em que viveu e foi expulsa durante os anos. Na cena final, ela sobrevoa São Paulo de helicóptero, atirando punhados de cinzas sobre a cidade. Gritos idênticos aos de Paulinho foram ouvidos enquanto a câmera passeava por sobre os prédios.
Na tela, surgiam as palavras: “E a semente vai germinar, brotar, crescer, florescer e dar frutos”.

Curiosidades:
- O grito gerou reações extremas e muita controvérsia. Os moradores de um edifício em Ipanema, no Rio, aparentemente se deixaram influenciar pela novela e tentaram expulsar uma criança excepcional, ato que revoltou o autor Jorge Andrade. Também houve quem achasse que a novela era uma crítica direta à cidade de São Paulo. No Congresso Nacional, o então deputado federal Aurélio Campos chegou a se pronunciar contra o que chamou de “distorção da imagem de São Paulo”. Como resposta, Jorge Andrade argumentou que a trama poderia ser ambientada em qualquer grande cidade do mundo, mas que São Paulo era um tema recorrente em sua obra. Para ele, a novela era uma reportagem que mostrava à faceta “dura, fechada, fria” da cidade.
- O grito gerou reações extremas e muita controvérsia. Os moradores de um edifício em Ipanema, no Rio, aparentemente se deixaram influenciar pela novela e tentaram expulsar uma criança excepcional, ato que revoltou o autor Jorge Andrade. Também houve quem achasse que a novela era uma crítica direta à cidade de São Paulo. No Congresso Nacional, o então deputado federal Aurélio Campos chegou a se pronunciar contra o que chamou de “distorção da imagem de São Paulo”. Como resposta, Jorge Andrade argumentou que a trama poderia ser ambientada em qualquer grande cidade do mundo, mas que São Paulo era um tema recorrente em sua obra. Para ele, a novela era uma reportagem que mostrava à faceta “dura, fechada, fria” da cidade.

- A atriz Elizabeth Savalla (Pilar) engravidou durante a novela, e conseguiu manter em segredo a gravidez sem prejuízo para o personagem.
- A novela foi o primeiro trabalho da atriz Lídia Brondi, ainda adolescente, na TV Globo.
- A trama discutia questões sociais como a desumanização do homem que habita grandes metrópoles e a discriminação dos deficientes mentais.
Porém, o realismo da trama, na época, acabou sendo incompreendido pelo público que acabou achando a obra muito violenta tamanha era o seu realismo. Mas poucas vezes uma telenovela teve um elenco como aquele.

Hoje, a novela valeria uma releitura.
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