quarta-feira, 22 de setembro de 2010

UM GRITO DURANTE A NOITE: O Grito - Novela de Jorge Andrade

UM GRITO DURANTE A NOITE

O Grito
- Novela de Jorge Andrade (Rede Globo)
“O Grito”, de Jorge Andrade, foi exibida pela Rede Globo em 1975, às 22h. Na direção dos 125 capítulos estiveram Walter Avancini, Roberto Talma e Gonzaga Blota.
A novela do autor passava-se em uma semana. Começava numa sexta-feira e acabava no outro domingo. Só que nessa semana, aconteciam 120 capítulos.
O horário da 22 horas, por ser mais tarde, conseguia abordar temas mais adultos que jamais seriam permitidos pela censura nas novelas do horario nobre. A audiência dessas novelas tambem era bem menor, mas enquanto as dos horários mais cedo atraiam a classe B para baixo, as das 22 horas atraiam as classes B e A, compensando a quantidade de audiência com a qualidade dessa. Esse publico com maior poder aquisitivo e um nivel de educação mais alto, permitiram novelas mais inteligentes e experimentais, fazendo desse horario mais um sucesso financeiro para a emissora e criando grandes clássicos da história da telenovela. A novela O Grito vinha com essa proposta, de continuar com com o alto nivel de produção e sucesso de critica desse horario.
Jorge Andrade, Yara Cortes, Tony Ferreira, Françoise Forton e Rubens de Falco
O autor era Jorge Andrade, autor de sucesso do treato, que escrevia seu segundo trabalho para a televisão, sua primeira novela fora Os Ossos do Barão (1974), um outro grande sucesso desse horario. E apesar do alto nivel da produção e da perfeição do texto, a novela não foi bem aceita pela critica e pelo publico. A novela se centrava na vida de vários moradores de um predio na cidade de São Paulo, que se mobilizavam para expulsar uma moradora cujo filho doente gritava toda a noite. Poluição, falta de privacidade, isolamento, preconceitos, indiferença, eram os temas refletidos nas vidas dos moradores desse predio. 
O Grito seguia a beleza e encanto que fora a novela anterior, Gabriela, e o contraste com a angustia e pessimismo de O Grito afugentou o publico. A atriz Gloria Menezes atuava separada do marido, Tarciso Meira, pela primeira vez em muitos anos, e deu um show de interpretação vivendo a sofrida Marta, a mãe do menino cujos gritos incomodavam os moradores do predio. Para viver Marta, Gloria Menezes se apresentou com os cabelos curtos, quase sem maquiagem, longe do glamour associado a atriz até então.
A trama retrata a vida em uma grande metrópole e as neuroses e angústias do homem moderno, a partir dos conflitos entre os habitantes de um edifício de São Paulo. Localizado no centro da cidade, em um terreno que no passado abrigava a mansão de uma família de paulistas quatrocentões, o Edifício Paraíso, de onze andares, foi projetado para ser um exemplo de requinte e sofisticação acessível apenas à elite: dois apartamentos por andar e piscina na cobertura.
Porém, durante sua construção, foi inaugurado o Elevado Costa e Silva, o famigerado “Minhocão”, viaduto que ultrapassava a altura dos dois primeiros andares do prédio.

Para atenuar os prejuízos da desvalorização do imóvel, Edgard (Leonardo Villar), o proprietário, determinou que a planta original fosse alterada e os andares inferiores, divididos em apartamentos de quarto-e-sala. Assim, na cobertura, havia um amplo e luxuoso duplex ocupado por Edgard e sua esposa Mafalda (Maria Fernanda); abaixo deles, apartamentos de três quartos do 9º ao 3º andar, e 12 pequenos apartamentos nos dois andares inferiores, muitos alugados, outros vazios.
Como resultado, o edifício se tornou uma espécie de pirâmide social, em que os ricos ocupam a posição superior e outros moradores, com situações financeiras entre modestas e precárias, se distribuem ao longo do prédio.

O relacionamento entre os habitantes de classes sociais estanques no mesmo prédio era limitado. Os moradores do Edifício Paraíso tinham em comum apenas sua cota de dramas pessoais e o total desinteresse em se relacionar com o próximo.

Entre outros habitantes do prédio, estavam o antropólogo Gilberto (
Walmor Chagas) e sua mulher, a pintora Lúcia (Isabel Ribeiro); o síndico Otávio (Edson França), um homem preconceituoso e intolerante; a atriz decadente Débora (Teresa Rachel); Carmem (Yara Cortes), uma viúva religiosa e severa; a estudante de comunicação Marina (Françoise Fourton) e seu namorado, Rogério (João Paulo Adour); a prostituta Kátia (Yoná Magalhães), uma das sobreviventes do incêndio que destruiu o edifício Joelma, em 1974.

Ainda morava no prédio o Agenor (Rubens de Falco), um jovem bancário que tenta esconder dos seus pais, Branca (Ida Gomes) e Sebastião (Castro Gonzaga), a sua homossexualidade. No livro “Um internacional ator brasileiro – Rubens de Falco”, da Colação Aplauso, o ator comentou seu personagem: “O meu personagem era um diretor do Banco do Brasil. Passou a ser funcionário, porque diretor do BB não pode ser dúbio (naquela época, pelo menos, não podia), e ele era castrado, tanto pela mãe que o protegia muito, quanto pelo pai que achava que ele não era homem. Durante a semana, era um homem normal, mas, toda sexta-feira, saía pela Av. Ipiranga com a São João, vestido de uma maneira muito estranha, para ‘ver’ as pessoas. Era mais um voyeur do que qualquer outra coisa. 
Quando voltava para casa, se trancava no quarto e o quarto era uma jaula de leão e ele ficava andando de um lado para o outro com um leão enjaulado, tamanho era o desespero de não conseguir dar um sentido à sua vida. Acabava sempre no telefone, falando com o CVV; só aí ele se acalmava.”
Tinha também a ex-freira Marta (Glória Menezes), mãe de Paulinho (Marcos Andreas), um menino de 11 anos, deficiente mental.

O garoto se tornou o pivô do conflito que movimentava a trama. Ele emitia gritos angustiados durante a madrugada, tão alto que era ouvido por todos os vizinhos. O grito do garoto obrigava os moradores a deixar de se ocupar apenas com seus problemas pessoais para tomar consciência da dor alheia, o que incomodava muitos deles.
Então, um grupo decidiu se organizar para expulsar a mãe e o filho do prédio. Estabelece-se então uma tensão entre eles e os poucos moradores que se colocaram ao lado de Marta e Paulinho. Marta resistia bravamente à pressão dos vizinhos e a cada reunião do condomínio ganhava mais aliados.
Em certo momento da trama, o interceptador do prédio desapareceu misteriosamente. Como o aparelho permitia que as ligações telefônicas fossem monitoradas, se instalou um clima de paranóia e desconfiança por parte de todos.
Vários moradores acabaram por denunciar pequenos delitos e desvios uns aos outros. Os dramas de cada um forão se tornando cada vez mais visíveis.

Nos capítulos finais da novela, Estela (
Lídia Brondi), filha de Edgard e Mafalda, foi seqüestrada, e Paulinho adoeceu gravemente. Esses dois fatos, somados ao roubo do interceptador, contribuíram para que os vizinhos se unissem cada vez mais e passassem a ser mais tolerantes entre si.
Guilherme (Guto Franco) e Estela (Lídia Brondi) em cena da novela “O Grito”, de Jorge Andrade (Globo, 1975). A trama retratava a rotina dos moradores do Edifício Paraíso, que eram incomodados pela obras do Elevado Costa e Silva, o Minhocão, em São Paulo, e pelos gritos de Paulinho (Marcos Andreas Harder), o filho doente de Marta (Glória Menezez).O detetive Sérgio (Ney Latorraca), policial encarregado do seqüestro de Estela, desvendou o crime graças ao auxílio do ladrão do interceptador. Este lhe entregou o aparelho e relatou uma conversa que ouviu entre os seqüestradores e Edgard. Assim, Sérgio resgatava Estela e matava o seqüestrador. O detetive, no entanto, se recusou a revelar para os moradores do prédio o nome do ladrão do interceptador.

No capítulo final da novela, numa reunião entre todos os condôminos, durante a qual vários personagens assumem a autoria do roubo do interceptador, por diferentes razões. Marta diz que roubou o aparelho para levar os vizinhos a pensar que agora alguém ouvia todos os “gritos” deles, tão incômodos quanto os do filho dela.
Gilberto diz que queria ajudar Marta e ter a chance de estudar, como antropólogo, o comportamento dos vizinhos. Otávio diz que queria impedir que o prédio ficasse desvalorizado com a polêmica em torno de Marta e Paulinho e por isso cometeu o roubo, para depois incriminar a vizinha. De todos os presentes na reunião, apenas Sérgio sabe a real identidade do ladrão, mas ele decidiu encerrar o inquérito sem processá-lo argumentando que ele acabou prestando um grande serviço a todos ao ajudar a resgatar a filha de Edgard.
No meio da reunião, Marta foi avisada que Paulinho morrera durante o sono. Todos os moradores se uniram para providenciar o velório e a cremação do menino. Durante a cerimônia, cada um deles relembrou a própria infância e se arrependeu dos seus atos.
Marta decide espalhar as cinzas do filho por todos os bairros em que viveu e foi expulsa durante os anos. Na cena final, ela sobrevoa São Paulo de helicóptero, atirando punhados de cinzas sobre a cidade. Gritos idênticos aos de Paulinho foram ouvidos enquanto a câmera passeava por sobre os prédios.
Na tela, surgiam as palavras: “E a semente vai germinar, brotar, crescer, florescer e dar frutos”.
Curiosidades:
- O grito gerou reações extremas e muita controvérsia. Os moradores de um edifício em Ipanema, no Rio, aparentemente se deixaram influenciar pela novela e tentaram expulsar uma criança excepcional, ato que revoltou o autor Jorge Andrade. Também houve quem achasse que a novela era uma crítica direta à cidade de São Paulo. No Congresso Nacional, o então deputado federal Aurélio Campos chegou a se pronunciar contra o que chamou de “distorção da imagem de São Paulo”. Como resposta, Jorge Andrade argumentou que a trama poderia ser ambientada em qualquer grande cidade do mundo, mas que São Paulo era um tema recorrente em sua obra. Para ele, a novela era uma reportagem que mostrava à faceta “dura, fechada, fria” da cidade.

- A atriz Elizabeth Savalla (Pilar) engravidou durante a novela, e conseguiu manter em segredo a gravidez sem prejuízo para o personagem.
- A novela foi o primeiro trabalho da atriz Lídia Brondi, ainda adolescente, na TV Globo.
- A trama discutia questões sociais como a desumanização do homem que habita grandes metrópoles e a discriminação dos deficientes mentais.
Porém, o realismo da trama, na época, acabou sendo incompreendido pelo público que acabou achando a obra muito violenta tamanha era o seu realismo. Mas poucas vezes uma telenovela teve um elenco como aquele.

Hoje, a novela valeria uma releitura.
Elenco: Antônio ganzarolli (Investigador), Carmem Alvarez, Carmem Monegal (Cleide), Castro Gonzaga (Sebastião), Chica Xavier (Lázara), Cosme dos Santos (Jairo), Edson França (Otávio), Elizabeth Savalla (Pillar), Eloísa Mafalda (Socorro), Ester Mellinger (Dolores), Flávio Migliaccio (Oswaldo), Françoise Forton (Marina), Glória Menezes (Marta), Guto Franco (Guilherme), Heloísa Raso (Arlete), Ida Gomes (Branca), Isabel Ribeiro (Lúcia), Jacira Silva (Nair), João Paulo Adour (Rogério), Lajar Muzuris, Leonardo Villar (Edgard), Lídia Brondi (Estela), Lourdes Mayer (Olímpia), Marcos Andréas (Paulinho), Marcos Paulo (Orlando), Maria das Graças (Jacira), Maria Fernanda (Mafalda), Midori tange (Midori), Míriam Fischer, Ney Latorraca (Sérgio), Otávio Augusto (Henrique), Paulo Gonçalves (Caio), Pepa Ruiz (Maria), Reginna Viana (Dorotéia), Reginaldo Vieira, Ricardo Garcia (Bento), Roberto Pirillo (Mário), Rubens de falco (Agenor), Ruth de Souza (Albertina), Sebastião Vasconcelos (Francisco), Suely Franco (Laís), Tereza Rachel (Débora), Tonico Pereira (Homem), Tony Ferreira (Grandalhão), Walmor Chagas (Gilberto), Yara Cortes (Carmem), Yoná Magalhães (Kátia), Ziembinski (Professor).

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