quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Duas Vidas - De Janete Clair

Duas Vidas - De Janete Clair (Rede Globo, 1976)
(Betty Faria e Mário Gomes).

No final da década de 70, uma parte de minha família se mudou para a Rua Dois de Dezembro. Portanto, vi os transtornos causados pelas obras do Metrô no Catete. Este foi um dos bairros que mais sofreram com o trânsito interrompido por muito tempo.

Então, como já se sabe Janete Clair, a grande dama da teledramaturgia brasileira, era capaz de ter sempre uma história pronta na cabeça, nem que fosse uma simples ideia inicial. Ela realmente parecia ser um arquivo de criatividades. Saiu de “Anastácia, a mulher sem destino”, entrou em “Véu de noiva”, depois escreveu “Selva de pedra” e assim não parou mais.


Depois de ter escrito “Pecado capital” (1975), foi escalada para escrever a nova novela das 20h:
“Duas vidas”, que seguia a mesma linha da novela anterior. Foi justamente essa criatividade que fez com que o poeta Carlos Drummond de Andrade um dia se referisse a ela como a “Usineira de sonhos”.
Em 1976, estreava “Duas Vidas”, que foi exibida pela Rede Globo em 1976, às 20h. Na direção dos 154 capítulos estiveram Daniel Filho, Gonzaga Blota e Marco Aurélio Bagno.
A trama mostrava uma rua do bairro do Catete, no Rio de Janeiro, sendo desapropriada para a construção de uma linha do metrô. A partir daí, a novela acompanhou a história dos moradores, o recomeço de suas vidas alteradas pelo progresso da cidade, suas relações familiares e amorosas.


Seu Menelau (Sadi Cabral) era um deles. Grego, alfaiate e pai de quatro filhos – Tomás (Cecil Thiré), Sônia (Isabel Ribeiro), Heitor (Moacyr Deriquém) e Oswaldo (Luis Gustavo) – era um dos mais antigos do local e teve sua casa destruída, se vendo obrigado a morar em um apartamento.
(Betty e Carlos Poyart).
O filho de Menelau, Tomás morava no apartamento do pai com a esposa Leda Maria (Betty Faria) e o filho Téo (Carlos Poyart). Um dia, ele roubou o dinheiro do pai e fugiu com outra mulher, Gilda (Arlete Salles), deixando a família em situação ainda mais difícil.
Já a abandonada, Leda Maria se envolveu simultaneamente com o dr. Victor Amadeu (Francisco Cuoco), médico que atendia aos moradores da redondeza, e Dino César (Mário Gomes), aspirante a cantor e paixão de adolescência da moça. O triângulo amoroso se complicou quando Dino se aproximou de Cláudia (Suzana Vieira), filha do dono de uma gravadora. Enquanto Dino ascendia na carreira fonográfica, Leda batalha para se harmonizar com a família do ex-marido, criar o filho, apesar das dificuldades, e esquecer sua antiga paixão por Dino. No fim, depois de muitos desencontros, Leda acabou vivendo um amor maduro com Victor.


(Sadi Cabral e Luiz Gustavo).


Outra trama de destaque da novela era a história de Sônia (Isabel Ribeiro) e Maurício (Stepan Nercessian). Ela era solteira, madura e estabilizada financeiramente, mas tinha dificuldades em se relacionar com Maurício, em função da diferença de idade. O romance entre uma mulher mais velha e um jovem não agradou a censura, que interferiu no desenrolar da história. Para aplacar a investida dos censores, a autora teve que oficializar a união do casal, o que não estava previsto na sinopse original.


Nessa novela, Janete Clair pretendia dar continuidade ao realismo social que fez tanto sucesso em sua trama anterior, “Pecado Capital” (1975). No entanto, a autora viu frustradas suas intenções de fazer uma crítica humanista à chegada do metrô pela ótica dos moradores do Catete.


(As obras do Metrô na Rua do Catete).


Ela queria abordar os transtornos que uma obra de interesse público pode causar ao universo particular das pessoas, mas a censura não gostou e limou toda a intenção crítica da novela. Até as cenas mais simples, como a reclamação dos personagens sobre a poeira causada pelas obras, foram proibidas de ir ao ar. A construção do metrô era obra do governo federal, na época representado pelo general Ernesto Geisel, e, de acordo com a censura, não podia ser criticada na televisão.

Ao assumir a direção da novela no capítulo 41, Gonzaga Blota sugeriu várias mudanças na trama para tentar superar, além das imposições da censura, a baixa aceitação do público.

Por conta disso, Janete Clair não pôde manter a estrutura inicial da novela, dividida em três partes: a luta dos moradores contra a desapropriação de suas moradias, a dispersão deles com a demolição das casas e o reencontro em outros ambientes e situações. A saída encontrada pela autora foi desviar a atenção para os desencontros amorosos de Leda Maria, Dino e Victor Amadeu.

Então, Janete Clair travou uma dura luta com a censura por causa da novela. A autora chegou a escrever uma carta à Divisão de Censura e Diversões Públicas do Departamento de Polícia Federal: “Quem lhe escreve é uma escritora perplexa e desorientada em face dos cortes que vêm sendo feitos pela Censura Federal nos últimos capítulos da novela Duas vidas. Perplexa e desorientada não apenas pela drástica mutilação da obra que venho realizando, como também diante do incompreensível critério que orienta a ação dos censores. 


De fato não posso entender que conceitos morais ou de qualquer natureza possam determinar a proibição de um romance de amor entre um jovem e uma mulher madura, ambos solteiros. (...) Não posso entender igualmente o porquê da proibição de outra cena em que o dono de uma casa de móveis reclama contra a poeira produzida pelas obras do metrô, que lhe emporcalha os móveis e afugenta a freguesia, quando todos nós sabemos dos transtornos ocasionados por essa obra pública.” O esforço da autora, no entanto, não surtiu efeito.
Janete também sofreu com a crítica televisiva, que foi impiedosa. Ainda assim, a novela conseguiu alcançar sucesso de público e registrou alto índice de audiência em seu último capítulo. A autora creditou o êxito final à fidelidade do público feminino a suas histórias e à personagem Leda Maria.


Curiosidades:
- Estimulado pelo sucesso de seu personagem, Mário Gomes acabou se lançando como cantor. Uma das músicas de seu disco, Chiclete e cabochard, acabou sendo incluída na trilha sonora da novela. Na trama, a carreira de Dino afunda e ele termina como cantor de circo. Na vida real, o ator também não foi adiante com a investida fonográfica.

- Duas vidas marcou a estreia de Christiane Torloni em novelas.
- A atriz Isabel Ribeiro, conceituada em teatro – mas com esporádicas participações em novelas –, ganhou projeção nacional por conta da personagem Sônia.


- Janete Clair concluiu a novela em 151 capítulos, mas um afastamento temporário de Francisco Cuoco, por problemas de saúde, obrigou a direção a esticar o roteiro original, que acabou totalizando 154 capítulos.

- Duas vidas lançou moda. O colar de contas brancas usado por Dino virou febre entre o público.
Contracenando com esses atores, estavam, entre outros, Neuza Amaral, Elza Gomes, Flávio Migliaccio, Sadi Cabral, Arlete Salles, Luiz Gustavo, Christiane Torloni, Cecil Thiré, Ruth de Souza, Ana Ariel, Laura Soveral, Glória Pires, Isolda Cresta, Myrian Rios e Carla Poyart. 
do Nostalgia da Tv

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