quinta-feira, 21 de outubro de 2010

'Vale tudo' volta à TV e atualiza debate sobre ética no Brasil


21/10/2010
Em ano eleitoral, 'Vale tudo' volta à TV e atualiza debate sobre ética no Brasil

'Acredito que o país mudou', diz autor Gilberto Braga em entrevista ao G1.
Novela lidera audiência na madrugada; personagens fazem sucesso na web.

Dolores Orosco

Do G1, em São Paulo

Os porres de Heleninha Roitman, o visual descolado de Solange Duprat e a ambição desmedida de Maria de Fátima Aciolly estão entre os assuntos mais “transados” na web - só para usar uma gíria da época. Líder de audiência nas madrugadas da TV paga, a novela “Vale tudo” volta a fazer sucesso 22 anos depois de sua primeira exibição e atualiza a discussão sobre ética no Brasil.
No ar de segunda a sexta-feira no canal Viva, à 0h45, a trama de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Basséres não para de mobilizar os fãs. Desde o último dia 4, quando o primeiro capítulo da reprise foi ao ar, internautas lotaram o YouTube com cenas antológicas, lançaram comunidades no Orkut e criaram perfis dos personagens no Facebook.
O forte teor político de “Vale tudo” hoje é associado à corrida presidencial – nos anos de transição do governo Sarney para o Collor a novela questionava até que ponto compensava ser honesto no Brasil. No Twitter, o termo #valetudo agora passou a ser citado ao lado de comentários críticos aos candidatos José Serra e Dilma Rousseff.
“Pode ser ingenuidade minha, mas acredito que o país mudou. As pessoas estão mais preocupadas com a impunidade”, opina Gilberto Braga, em entrevista ao G1. “O brasileiro de 1988 aceitava a corrupção como fato consumado, coisa natural. E a proposta da novela de discutir ética vinha exatamente daí”, completa o autor.
Raquel e Maria de FátimaFilha e mãe, Maria de Fátima (Gloria Pires) e Raquel
(Regina Duarte) estavam em lados opostos no debate
de 'Vale tudo'. (Foto: Bazilio Calazans/Divulgação)
“Sangue de Jesus tem poder!” 
“Vale tudo” girava em torno do plano da jovem Maria de Fátima (Gloria Pires) em vencer na vida a qualquer preço. Em troca de luxo e poder, valia de tudo mesmo: mentir, roubar, aplicar golpes.
No extremo oposto estava a mãe da vilã, Raquel (Regina Duarte), que acreditava na força do trabalho e da honestidade. O lema da personagem, “sangue de Jesus tem poder!”, se transformou no bordão popular mais repetido daquele fim de década.
“Foi a novela mais completa que participei. A Maria de Fátima tinha uma riqueza de sentimentos e questionamentos”, relembra Gloria, que na época tinha 25 anos e garantia sua entrada  para a história da teledramaturgia nacional. Com uma performance brilhante, a atriz recebeu prêmios como o da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) e o Troféu Imprensa.
Gloria conta que, diferente do que acontecia com outros malfeitores folhetinescos, o público sentia certa compaixão por sua personagem. “As pessoas admitiam, em parte, as atitudes da Maria de Fátima. Ela era pobre e almejava uma vida melhor num país onde ainda havia muita tolerância com a desonestidade”, avalia.
Atualmente a atriz se prepara para atuar em uma nova trama de Gilberto Braga, “Insensato coração”, com estreia prevista para janeiro de 2011. A personagem, Norma, vem cercada de expectativas, já que se trata de mais uma vilã. “Espero que ela seja tão arrebatadora quanto a Maria de Fátima!”, torce.
Odete te despreza
Se os espectadores poupavam a vilã de Gloria, o mesmo não poderia ser dito da personagem da atriz Beatriz Segall. A socialite Odete Roitman se tornou a inimiga pública número 1 graças a comentários depreciativos contra o Brasil.
Odete RoitmanOdete Roitman (Beatriz Segall): vilã virou ícone pop do
Brasil. (Foto: Bazilio Calazans/Divulgação)
Pérolas do preconceito como “esse país não vai para frente porque brasileiro é preguiçoso, é uma mistura de raças que não deu certo” ou “desde que nasci só ouço falar em crise nesse país” ou ainda “só gosto de ver o Rio de Janeiro da minha TV lá em Paris” compunham o repertório da megera.
Tais falas tinham efeito explosivo junto aos espectadores, o que fez de madame Roitman uma das vilãs mais odiadas da teledramaturgia.
Com o passar dos anos, o público fez as pazes com Odete, que se tornou ícone pop. No Orkut há comunidades-tributo como “Odete te despreza”, além de contas no Twitter que reproduzem as “máximas odeteanas”.
“Odete Roitman era uma bandida. Ela podia espinafrar o Brasil, que isso tinha muito charme”, diz Braga.
Pioneirismo
Ao time de personagens femininas fortes de “Vale tudo” se juntava Heleninha Roitman (Renata Sorrah). Por meio dela, a novela tratou do problema do alcoolismo de forma dramática e realista pela primeira vez na televisão.
Fumantes - hoje vetados na televisão - também circulavam entre uma cena e outra. Rubinho (Daniel Filho), um pianista notívago que sonhava conhecer a Nova York, aparecia sempre com um cigarro pendurado entre os lábios.
Lala Denheizelin e Cristina ProchaskaO casal Cecília (Lala Deheinzelin) e Laís (Cristina
Prochaska): pioneirismo ao debater parceria civil.
(Foto: Bazilio Calazans/Divulgação)
Braga garante que a patrulha do politicamente correto nunca o impediu de desenvolver a novela com liberdade. “Fizemos uma campanha contra o fumo por meio do Rubinho. Nunca senti qualquer tipo de rejeição naquela época. ‘Vale tudo’ foi muito bem aceita”.
Tal aprovação – a trama ultrapassava os 50 pontos de audiência – fez com que a novela tivesse caráter pioneiro em outras áreas, como a homossexualidade. Sim, “Vale tudo” tinha um casal de garotas: Laís (Cristina Prochaska) e Cecília (Lala Deheinzelin).
Na história, Cecília morria e seu irmão, Marco Aurélio (Reginaldo Faria), tentava impedir na Justiça que a cunhada ficasse com a pousada em Búzios fundada pelas duas. Foi a primeira vez que o tema da parceria civil entre pessoas do mesmo sexo entrava na pauta de um folhetim.
A mocinha ‘transada’
O perfume de modernidade de “Vale tudo” também ficava por conta da mocinha Solange Duprat (Lídia Brondi). Repórter da fictícia revista “Tomorrow”, a moça lançou moda com sua franjinha ruiva cortada no meio da testa, o batom carmim e um comportamento liberal para a época.
Cássio Gabus Mendes e Lídia BrondiCássio Gabus Mendes e Lídia Brondi como Afonso
e Solange: casal estampava a imagem do disco de
vinil com as músicas da novela. (Foto: Divulgação)
Solange namorava o milionário Afonso (Cássio Gabus Mendes), mas dividia o apartamento e as contas com um amigo, Sardinha (Otávio Müller). Uma coleção de gírias e expressões pontuava suas frases, que terminavam sempre com a palavra “cherrie”.
A personagem também costumava substituir qualquer verbo pela palavra “transar”. Exemplos: “Vamos transar [fazer] uma festa?” ou “você conseguiu transar [resolver]aquele problema?”.
Para estranhamento geral, sua intérprete, não quis mais “transar” televisão. Abandonou a carreira para estudar psicologia. E se casou com seu par romântico de novela.
Cássio e Lídia estão juntos há 20 anos e a ex-atriz é avessa a entrevistas. “Mas essa história de que a gente começou a namorar em ‘Vale tudo’ é lenda urbana”, esclarece Cássio. “Só dois anos depois das gravações da novela nos reencontramos e começamos o namoro”.
Link: http://g1.globo.com/ Vale tudo

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